Max Weber, em
sua análise sobre a esfera estética, mostra como esta emerge tutelada pela religião, expressando-se de forma primordial por meio
da arte sacra. No entanto, com o processo de modernização, a religião, que
outrora regia todos os âmbitos da vida, perde força, passando a operar apenas num domínio específico,
ocorrendo o que Weber denomina de autonomização das esferas. Desse modo, a arte
começa a se desenvolver de forma independente. Se antes ela servia ao
propósito único de ligar terra e céu, com o objetivo final de auxiliar na
salvação das almas, no mundo moderno, ela adquire um fim em si mesma,
transformando-se em outra forma de salvação, exclusivamente terrena. Assim, se
em princípio era utilizada pela Igreja como instrumento de propagação dos seus
ensinamentos, com a modernidade, começa
a ser percebida e tratada como concorrente pela instituição religiosa.
A análise de Weber levou-me a refletir sobre a importância da arte na minha vida. Considero que, de fato, ela tem
impacto salvífico, não antagônico à religiosidade, mas complementar. Embora esteja socialmente numa esfera distinta da
religião, é essencialmente
espiritual. Isto porque nos eleva, nos dignifica e é capaz de por em
evidência aquilo que temos de melhor, seja na sua produção, no caso dos
artistas, ou na sua interpretação, no caso dos consumidores. Não sou artista e nem expert, portanto, minha fala
é sob a perspectiva daqueles que apreciam e sofrem sua influência.
Dentre todas as formas de expressão
artística, acredito que a literatura é que mais influenciou na formação da minha personalidade. Fui alfabetizada aos oito anos de idade. A
palavra escrita fez com que uma nova realidade
se abrisse para mim. A primeira
transformação, e talvez a mais importante, foi me colocar a par da existência e
da importância das outras pessoas. Eu que era uma criança absolutamente ensimesmada, aprendi o que é empatia: o outro
não é qualquer um, é aquele que tem uma história que pode ser mais difícil e
mais dolorosa que a minha.
Outra mudança que a literatura provocou foi o fato de ter acendido em mim
um desejo de conhecimento que não
esmorece. Confesso que isso tem alguns aspectos negativos. Entre eles, uma incômoda
lucidez. É menos perturbador ser alienado, acreditar naquilo em
que a maioria acredita, buscar satisfação em coisas mais simples. Numa
vida assim, as escolhas são mais fáceis
e os medos não assombram tanto. Por outro lado, o conhecimento traz como recompensa a possibilidade de uma vida mais
plena. É importante frisar que não falo de um conhecimento específico, mas de
uma série de informações, sensações e experiências que abrem nossas mentes, que
nos fazem enxergar o mundo sem escamas nos olhos ou, pelo menos, de forma mais
clara e, consequentemente, menos preconceituosa. É através do conhecimento também
que educamos nossos sentidos. Uma bela obra
de arte precisa de olhos competentes, uma boa música de ouvidos sensíveis e uma boa comida de um paladar que saiba apreciá-la.
Não são coisas fundamentais, mas, com certeza, nos dão uma dimensão mais
precisa daquilo que o ser humano é capaz de realizar, além de proporcionarem
momentos muito prazerosos.
Por fim, a literatura sempre me serviu de
companhia e, mais que isso, me ensinou a fazer companhia a mim mesma. Como bem
disse Saramago em O ano da morte de Ricardo
Reis, “A solidão não é viver só, é não
sermos capazes de fazer companhia a alguém ou alguma coisa que está dentro de nós”.
Isso é importante porque determina a
qualidade das nossas relações. Estar com
alguém é muito bom, mas não devemos ficar com uma pessoa por medo da solidão. Nada se compara à sensação de conversar com alguém com quem nos
identificamos: compartilhar gostos, percepções e valores, ou mesmo com alguém que seja diferente, mas que nos acrescenta
algo, nos enriquece. Quando isso não é possível, os personagens dos livros estão lá, com suas dores,
arrependimentos, desejos, medos, virtudes e defeitos, nos servindo de espelho. Mesmo que sejam
aparentemente bem distintos de nós, há sempre um reconhecimento. Através dos livros aprendemos que nunca estamos sós, mas é preciso que haja entrega e sensibilidade para desfrutar de tão preciosa companhia
Bibliografia:
WEBER, Max. Rejeições religiosas do mundo e suas direções
[1915]. In: Ensaios de Sociologia (H.H.
Gerth e C. Wright Mills org.). Rio de Janeiro : Guanabara, 1979.
3 comentários:
Como sempre, mais um artigo que mexe com a cabeça da gente !
Acho, inclusive, que você deveria desenvolver mais o assunto sobre a "incômoda lucidez X a confortável alienação".
Parabéns !
Continue firme, postando teus pensamentos aqui !
Nicotine
Oi Gustavo (Nicotine),
Tem razão, o tema "incômoda lucidez x cômoda alienação" merece ser melhor explorado. Vou pensar sobre isso. Agradeço muito suas contribuições e a atenção que dedica aos meus textos.
Abraço,
Janete
A comunidade está aguardando ansiosa a publicação de mais um texto, heim ?
Tudo de bom !
Nicotine
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