Poucas
entrevistas feitas pela apresentadora Marília Gabriela tiveram tanta
repercussão quanto a entrevista realizada com Silas Malafaia. Defensores e opositores expressaram seu apoio ou sua reprovação, usando especialmente as redes sociais.
As
reações às palavras do Pastor mostram que temos uma sociedade dividida, ainda
que de forma desigual, entre aqueles que avançam buscando compreender e se
adaptar a um mundo mais heterogêneo, e aqueles que fazem questão de cultivar,
por comodismo ou medo, uma fé cega, irracional e totalmente maniqueísta. É caso
do referido líder espiritual e seus seguidores.
Silas
Malafaia se autodenomina um defensor do Evangelho, no entanto, somente aqueles
que possuem um conhecimento bem ínfimo dos escritos bíblicos conseguem fazer
uma associação entre a truculência e a
soberba desse senhor com a bondade, a tolerância e a humildade que caracterizam
o ministério de Jesus mostrado nas narrativas dos quatro evangelistas.
Ora,
se para os cristãos o sentido e a direção da fé são dados pela Bíblia, é a ela
que invoco para justificar minha indignação. Diferentemente da postura
autoritária assumida pelo Pastor, o que se aprende nas Escrituras é que a essência do Evangelho é a liberdade. Uma
passagem que ilustra bem essa afirmação é o relato do encontro de Jesus com a mulher samaritana (João
4:19-23). Ao ser questionado por ela sobre onde seria o verdadeiro lugar da
adoração, no templo ou no monte, Cristo
responde que em nenhum dos dois, mas em espírito e em verdade. O que ela desejava era uma resposta clara
acerca do modo correto de viver sua fé, o que recebeu foi a revelação de que a
partir daquele momento o lugar da adoração não é exterior a ela. Trata-se
de um novo paradigma para a vida
espiritual: passa-se da objetividade da Lei que é condenatória para a
subjetividade do Evangelho que é libertador.
Entretanto, a
liberdade não é apenas uma dádiva, é
também um peso porque traz como implicação
o fato de que , no fim das contas, cabe a cada um encontrar o melhor modo de lidar com uma existência
que é absolutamente contingencial. A capacidade de controlar o destino é apenas
relativa, isso gera insegurança. Assim sendo, não é difícil que alguém que
acene com a possibilidade de uma vida mais segura, um horizonte
mais definido, encontre adeptos. É bem mais fácil viver de acordo com
cartilhas, receitas e regras objetivas sobre o que se deve ou não fazer, sobre o que é
certo ou errado, ignorando as evidências
de que entre um e outro há muitas gradações e distintos pontos de vista.
Dietrich
Bonhoeffer, teólogo luterano alemão,
compreendeu muito bem, não só por meio do conhecimento acadêmico, mas, também, por experiência pessoal, que a vida é tão complexa que é impossível enquadrá-la em prescrições, ainda que o número destas seja
infinito.
Como
teólogo, Bonhoeffer se posicionou contra
a religião que é conivente, seja por alienação ou postura política, com
sistemas injustos que perpetuam as
desigualdades sociais. No seu livro
“Resistência e Submissão”, afirma que em um mundo que se tornou adulto, ou seja,
guiado pela razão, o ser humano está
pronto para assumir sua autonomia. Em uma
carta enviada a seu amigo Eberhard Bethge, defende que Deus não deve
ser usado como um “tapa-buracos”, que
devíamos assumir nossa responsabilidade pela transformação do mundo.
Ainda
que os escritos consigam oferecer uma razoável noção acerca de suas ideias, é por
meio de sua biografia que o teólogo
alemão fala de forma mais eloquente, nos ensinando, sobretudo, que nos deparamos com circunstâncias em que não
podemos simplesmente escolher entre o bem e o mal. Não raras vezes, temos que decidir entre o mal e um mal que julgamos menor. Vivendo na Alemanha nazista, ciente das atrocidades cometidas por Hitler e
seus subalternos, Bonhoeffer se envolve
numa conspiração para assassinar o ditador. A lógica é simples: não é certo matar, mas é menos mal que um homem
insano e cruel morra do que permitir que
milhões sejam mortos.
Cito
Dietrich Bonhoeffer porque o vejo como a
antítese de Malafaia e seus discípulos que, ao contrário do teólogo luterano, não
se preocupam com causas realmente
significativas. Apontam dedos condenatórios exigindo que pessoas que não compartilham das mesmas crenças vivam de acordo
com seus preceitos. Ocupados com o cisco nos olhos dos outros são incapazes de
ver as traves que estão em seus próprios olhos. Assimilam o que há de
pior na sociedade: ganância, egoísmo, consumo desenfreado, vaidade sem limites.
Minha
esperança é que as escamas que provocam essa cegueira caiam e, quando isso acontecer, ao
invés de direcionar seus esforços para tentar normatizar o comportamento alheio
segundo suas próprias convicções, os cristãos tenham como empreitada fundamental a missão de melhorar a si mesmos e,
consequentemente, tornar o mundo um lugar com mais bondade, altruísmo e tolerância.
8 comentários:
Òtimo seu texto maninha. Faço minhas as suas palavras. Beijo.
Amei seu texto, mas tenta fazer um citando os apóstolos, (principalmente Paulo)e os discípulos. A missão do crente segundo a vontade de Deus é fazer discípulos e pregar o evangelho. Lembrando que homossexualismo continua sendo pecado.
Dietrich Bonhoeffer, teólogo luterano, grupo protestante que, na Europa, perdeu quase completametne a visão evangelistica dos Evangelhos de Jesus. É um grupo que só diminuiu nas ultimas décadas, dando espaço para a entrada maciça do Islamismo na Europa. No Evangelho de Jesus não existe espaço para relativismos, pois verdades espirituais são atemporais... eternas.
Ulysses Oliveira
Caro Bispo Ulysses, (ou já seria Apóstolo?)
Sei que não me conhece, mas eu já ouvi algumas de suas pregações, e dos seus discípulos do Ministério Nova Terra, em vários congressos da Igreja de Cristo. Conheço bem o teor da teologia que vocês ensinam, portanto, não poderia esperar nada mais do que esse reducionismo distorcido contido no seu comentário. Talvez tenha esquecido, ou simplesmente ignora, que a Reforma Protestante começou com os luteranos. São eles os responsáveis, ainda que indiretos, pela fé que o senhor diz professar. Ademais, quando lança crítica à Igreja luterana, responsabilizando-a pelo esfriamento da fé na Alemanha, demonstra que seu conhecimento é baseado apenas em “achismo”, o qual tenta legitimar usando um discurso supostamente espiritualizado. Afinal, em nome da fé, pode-se tudo: pregar um evangelho barateado; mercantilizar o Reino de Deus, pressionar psicologicamente as pessoas a darem o que tem, não por amor, mas para receberem 10 vezes mais. Dizimar, ofertar bastante. Para que? Para que haja mantimento na casa de Deus? Para socorrer órfãos e viúvas, socorrer os necessitados? Se sobrar alguma coisa, talvez, mas primeiro precisa-se construir grandes templos, precisa-se remunerar bem (muitíssimo bem) quem vive do Evangelho. Não sou eu quem relativiza as Escrituras, mas aqueles que, em benefício próprio, deturpam o que Cristo ensinou. Se a venda de indulgências indignou Lutero no Século XVI, imagina o que ele acharia dos frutos da Reforma, sobretudo aqui no Brasil, onde pastores comercializam tudo em nome Jesus. Nada é mais importante do que dinheiro e poder. Dizem que vivem sob uma Nova Aliança, mas é ao Antigo Testamento que recorrem para justificar as pregações triunfalistas, totalmente conformadas com os anseios e desejos da sociedade secular. O protestantismo na Europa levou séculos para perder espaço, mas aqui, onde ele nunca conseguiu infundir uma verdadeira ética cristã, além de não conseguir ser maioria, abriu a porta dos fundos. O último senso (2010) mostra que nunca houve um número tão grande de “sem religião” no Brasil. Grande parte dessas pessoas saiu das igrejas evangélicas, desiludidas com esses discursos rasos e tão anticristãos. Por fim, reafirmo, com toda segurança, não temos o direito de impor um determinado modo de vida à ninguém. A liberdade de escolher seu próprio caminho é postulado essencial da fé Cristã. Claro que cada um de nós terá que lidar com as consequências das escolhas que faz.
Janete Rodrigues
Como sempre você me surpreende e me enche de orgulho com sua brilhante capacidade de se expressar!Texto maravilhoso!" Minha esperança é que as escamas que provocam essa cegueira caiam e, quando isso acontecer, ao invés de direcionar seus esforços para tentar normatizar o comportamento alheio segundo suas próprias convicções, os cristãos tenham como empreitada fundamental a missão de melhorar a si mesmos e, consequentemente, tornar o mundo um lugar com mais bondade, altruísmo e tolerância."Que Deus nos ajude!!
Joana e Ivone, obrigada pelas palavras de apoio. Quando pessoas que possuem o caráter que vocês têm dão o seu aval, é como uma confirmação de que estamos no caminho certo.
Beijos,
Janete
Bereajs, fico feliz que tenha gostado do texto. Poderia falar sobre os ensinamentos paulinos, petrinos e de outros escritores do NT. Falar sobre o quanto Paulo nos ensina acerca de nossa própria ambiguidade:"porque não faço o bem que quero, mas o mal que não quero esse faço" (Rm 7:19). De como Pedro é a expressão mais exata dessa ambiguidade e, justamente por essa razão, de como somos dependentes da graça que Deus nos dá e que nós, tão ávidos por condenar, negamos aos outros. Quem sabe, em um próximo post, eu fale sobre isso, sobre os meus próprios pecados porque é para eles que busco perdão. O que eu creio é determinante para mim, não para os outros.
Abraço,
Janete
Concordo em grau, gênero e número!
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