Teresa Caldeira mostra, tendo como caso representativo a cidade de São de
Paulo, como a segregação social é reafirmada e reproduzida por meio da
segregação espacial imposta às camadas mais baixas da população. Conforme classificação da autora, três tipos de segregação espacial emergiram no decorrer do século XX.
O primeiro tipo, que vigorou no começo do século, seria a segregação
derivada das formas de moradia. A ênfase foi posta na higienização da cidade, no controle da
população, tendo como pano de fundo a industrialização e, por conseguinte,
a proletarização. Tudo isso impulsionou
as transformações que resultaram no segundo tipo de segregação,
cuja expressão é o modelo
centro/periferia que ganhou força nos anos de 1940 e vigorou
até a década de 80. Nessa fase havia,
entre outras coisas, a possibilidade de maior circulação territorial por meio da melhoria dos transportes públicos e a relativa
popularização dos automóveis. A conseqüência mais imediata foi uma maior
dispersão da população pelo espaço urbano e, sobretudo, o distanciamento
espacial das classes. O terceiro tipo diz
respeito à atual sobreposição centro-periferia por meio daquilo que Caldeira
denomina de “enclaves fortificados”.
É
sobre o último tipo que autora se debruça, procurando evidenciar como a
construção de condomínios de luxo em lugares periféricos, antes habitados
apenas por pessoas menos favorecidas socialmente, gerou uma espécie de
paradoxo, pois, ao mesmo tempo em que permitiu uma aproximação espacial de diferentes classes,
tornou mais explícita a segregação, uma vez que a separação ganha contornos
concretos com os altos muros que são construídos e com toda parafernália
tecnológica que é utilizada para manter, sob o pretexto da necessidade de
segurança, os novos vizinhos fora do
alcance visual daqueles que estão em seus enclaves.
Conforme Caldeira, a construção desses enclaves fortificados contraria o
interesse da população em geral, já que produzem cidades fragmentadas que
limitam os princípios básicos da livre
circulação e do acesso aos espaços públicos que, por sua vez, formam a base
sobre a qual foram estruturadas as cidades modernas. Em síntese, seria um novo
modo de conferir distinção social às camadas médias e altas em detrimento da democratização do espaço urbano.
Para a sociedade brasileira, moradia e status
quo são coisas intimamente relacionadas. A habitação é uma forma de buscar e/ou
reafirmar a posição social, acentuando, dessa maneira, as diferenças de classes.
O modo como são feitos os anúncios publicitários ratificam essa afirmativa. Tais
anúncios põem em evidência um novo código de diferenciação social, além de
enfatizar o isolamento como algo desejável. O principal apelo vincula-se ao
aumento da violência urbana. A promessa subjacente é de que morar em um condomínio de luxo significa viver
com segurança. Mas não é só isso, outros
atrativos são apresentados. O lazer, a
proximidade com a natureza e a ordem também recebem ênfase. Privilégios que, segundo Caldeira, servem
mais para ostentação do que para o desfrute, visto que a utilização desses
serviços pelos moradores é escassa.
De
acordo com a autora, embora os moradores
de condomínio, no Brasil, compartilhem um espaço, a convivência harmoniosa tem
como obstáculo a dificuldade cultural do brasileiro de reconhecer o limite
entre esfera individual e coletiva. Assim, as leis de convivência no interior
dos enclaves são recorrentemente desrespeitadas, gerando conflitos que, por seu
turno, devem ser resolvidos sem intervenções externas. Nesse sentido, a função
da polícia seria apenas a de manter afastadas as verdadeiras ameaças, ou seja,
aqueles que vivem do outro lado dos muros.
A autora finaliza o capítulo
mostrando que a privatização do espaço público afeta a vida cotidiana, muda a paisagem e os hábitos
das pessoas e, fundamentalmente, é um obstáculo à democracia. O planejamento estatal da vida
pública acentuou as desigualdades e
promoveu a segregação. Desse modo, o projeto modernista das cidades brasileiras,
que tinha como objetivo viabilizar o
aproveitamento por todos do espaço público, contraditoriamente, se tornou o ponto
de partida para a formação de novos enclaves fortificados.
_________________
CALDEIRA, Teresa Pires do Rio. Segregação
urbana, enclaves fortificados e espaços públicos. In: Cidade de Muros: crime, segregação e cidadania em São Paulo. São
Paulo: 34/Edusp, pp. 211-342.
2 comentários:
Preciosa Amiga...
Que tal escreveres algo sobre os atuais protestos nas ruas do Brasil ?
Beijos !
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