Entre os dilemas que o cientista necessariamente tem que enfrentar está o de escolher o método mais apropriado para a apreensão do fenômeno que deseja investigar. Na sociologia, especificamente, esse dilema pode alcançar grandes proporções, isto porque os fenômenos que deseja compreender possuem uma complexidade e um dinamismo que condicionaram o surgimento de vários tipos de abordagens metodológicas. Assim, o pesquisador se vê diante de uma infinidade de caminhos e deve, então, decidir qual deles o fará alcançar, com maior êxito, o seu objetivo. Em princípio, apresentam-se dois paradigmas metodológicos: o percurso proposto pelos métodos e técnicas quantitativos ou o trajeto proposto pelos métodos e técnicas qualitativos.
O surgimento da sociologia ocorre num período em que ciências naturais ditavam as regras para o exercício de uma ciência pura, portanto, seus métodos tinham a primazia absoluta. O positivismo reivindicava para si a alcunha de verdadeira ciência e rechaçava todas as outras formas de conhecimento que não primavam por métodos experimentais. Era uma reação contra o apriorismo, representado sobretudo por Kant, e o idealismo, cuja expressão máxima é Hegel. É fundamentada nestes pressupostos que a sociologia vai se desenvolver na Europa do século XIX.
Não é sem razão que Auguste Comte (Benoit, 1999) mentor da filosofia positiva, denominou, primeiramente, de Física Social a forma de conhecimento que depois foi chamada de sociologia. A influência da teoria evolucionista aliada à crença na determinação das leis, fez com que o precursor da sociologia lhe desse um enfoque absolutamente vinculado à forma de sistematização e técnicas metodológicas das ciências naturais. Durkheim, herdeiro do empreendimento iniciado por Comte, continua, de certo modo, a trilhar o mesmo caminho. Em sua busca por um método que fosse especificamente sociológico, encontra na Biologia os fundamentos para propor uma concepção orgânica da sociedade. Embora não se deva reduzir o pensamento durkheimiano à concepção da teoria funcionalista, metodologicamente ela é essencial para se compreender o modo como ele percebia o dinamismo das forças sociais.
Para Durkheim (1995), todas as respostas devem ser buscadas nos fenômenos observáveis. Portanto, os métodos apropriados seriam àqueles que permitem a apreensão objetiva dos fatos sociais. A partir desta premissa, sugere algumas regras que devem ser respeitadas pelo cientista social: o pesquisador precisa buscar um distanciamento de todas as suas pré-noções, ainda que esta seja uma tarefa difícil; o objeto de pesquisa deve ser sempre “um grupo de fenômenos previamente definidos por certos caracteres exteriores que lhes são comuns, e compreender na mesma pesquisa todos aqueles que correspondem esta definição” (1995, p. 30); por fim, o sociólogo, ao investigar um fato social, precisa se esforçar para desvinculá-lo de suas manifestações individuais, ou seja, considerar apenas os aspectos sociais e, por conseguinte, externos do fenômeno investigado.
A objetividade absoluta pretendida pelos fundadores da sociologia, Comte e Durkheim, dificultou a aceitação dos métodos e técnicas de abordagem qualitativa. No âmbito das ciências sociais, vimos surgir uma rivalidade entre os herdeiros do pensamento positivista e os defensores de metodologias que querem ir além dos dados estatísticos, que desejam fazer uma análise dos fenômenos sociais a partir de dentro. Se a pesquisa quantitativa, numa perspectiva estrita, assume a preferência por uma explicação decorrente da mensuração e análise das relações causais entre variáveis, a pesquisa qualitativa tem por objetivo compreender os fenômenos sociais privilegiando o estudo dos micro-processos, considerando, assim, as ações dos indivíduos e dos grupos dentro do contexto social. Os métodos qualitativos encontram sustentação, entre outros pensadores, em Weber, com sua proposta de sociologia compreensiva, ou interpretativa.
O tempo em que as ciências sociais eram tuteladas pelas ciências naturais, passou. Clifford Geertz (1998) aponta uma mudança nos paradigmas epistemológicos/metodológicos. As ciências sociais que, outrora, dependeram de métodos de áreas mais consolidadas, e, portanto, mais reconhecidas na produção do conhecimento, passaram por um processo de libertação. Livres, os cientistas sociais “podem agora moldar seu trabalho de acordo com as necessidades que estes apresentem e não para satisfazer percepções externas sobre aquilo que devem ou não fazer” (1998, p. 36). Deixando de lado as analogias com as ciências naturais, as ciências sociais recorrem às Humanidades. Segundo Geertz, chegou o tempo em a interpretação tem a primazia. A conseqüência óbvia dessa mudança é a diversificação dos métodos e técnicas de pesquisa de cunho qualitativo.
Na gênese dessa mudança paradigmática, no âmbito da sociologia, encontramos Max Weber, segundo o qual, “no campo das ciências sociais, o que nos interessa é o aspecto qualitativo dos fatos” (1986, p. 90). Diferentemente de Durkheim, que estabelece como princípio investigativo uma separação do fato social, que ele define como exterior e coercitivo, das instâncias individuais, Weber (1991) propõe que é por meio das ações dos indivíduos, que são dotadas de sentido, que podemos compreender os fenômenos sociais.
Sob essa perspectiva, a sociologia teria como objetivo principal, entender como “os homens avaliam e apreciam, utilizam, criam e destroem as diversas relações sociais” (Freund,1987, p. 28). Nesta proposta, não há um menosprezo em relação as metodologias quantitativas, o que o autor deseja mostrar é que é possível ter acesso científico aos fenômenos sócio-culturais de dentro para fora, ou seja, procurando compreender o sentido que os sujeitos imprimem às suas ações. A noção de sentido é central na análise compreensiva. É o sentido manifesto, e, portanto, passível de ser apreendido pelo pesquisador, que revela a natureza da ação, quer seja ela política, econômica ou religiosa.
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*Este texto é a parte introdutória de um paper apresentado à disciplina Métodos e Técnicas de Pesquisa do mestrado em sociologia da Universidade Federal de Goiás.
BENOIT, Lelita Oliveira. Sociologia comteana: gênese e devir. In: Clássicos e comentadores. São Paulo: Discurso Editorial, 1999.
DURKHEIM, Émile. As regras do método sociológico. São Paulo: Nacional, 1995, p. 30-37.
FREUND, Julien. A sociologia de Max Weber. Rio de Janeiro: Forense –Universitária, 1980.
GEERTZ, Clifford. O saber local: novos ensaios em antropologia interpretativa. Petrópolis:Vozes, 1998.
WEBER, Max. Economia e Sociedade. Fundamentos da sociologia compreensiva. Vol. I. Brasília: Ed. Unb, 1991.
4 comentários:
Janete...
Este texto me foi muito útil pois
já começo a pensar no meu projeto de mestrado.
Parabéns por sua capacidade de síntese.
Beijo,
trabalho pronto pra minha facul... brincadeira, já estou formado, o texto é ótimo, e eu estou pretendendo fazer mestrado em sociologia ou antropologia, portanto tudo sobre o assunto tá valendo pra mim!!!!
Datas estão 100 anos adiantadas, são do século XIX, o texto retrata as datas como ocorridas em 1995 em diante...
Mesmo assim, ótimo texto e muito útil para o término de meu trabalho.
Obrigado
As datas que estão entre parênteses no texto, como por exemplo "Durkheim (1995), referem-se à data de publicação da edição citada no texto. Servem como indicação bibliográfica. Acredito que deixo bem claro, no decorrer do texto, a que contexto histórico estou me referindo. Agradeço a visita.
Abs,
Janete
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