A internet é
um território habitado por seres de variados tipos. Embora todos,
aparentemente, pertençam a uma única espécie,
a humana, seus gostos, o modo como se
comportam, o que compartilham, os nichos nos quais se inserem, são evidências
incontestáveis dessa heterogeneidade. Não há como negar, pelo menos por aqueles
que estão conectados, que é um espaço democrático. Tão democrático que
comporta, e suporta, posições radicais, tiranias
e fundamentalismos, do mesmo modo que difunde ideais de paz, amor e tolerância. Em 2011, ela teve um papel
realmente significativo. Foi o principal veículo de denúncias e, o mais
importante, uma parcela relevante da população não ficou passiva diante delas.
Usando particularmente as redes sociais, mobilizou-se contra a corrupção,
contra o sistema econômico injusto, em defesa dos animais, da liberdade e de
uma série de outras causas importantes. Revoluções foram feitas, líderes caíram
e instaurou-se um clima de expectativa em relação ao que está por vir.
Apesar de
considerar o saldo positivo, é preciso
levar em conta também os aspectos negativos. O fato de ser um território
relativamente livre, dá margem para que não poucas pessoas exponham também seus
sentimentos mais mesquinhos, seus anseios fúteis, sua superficialidade e,
principalmente, uma animosidade gratuita. Todos se tornam vítimas da “trollação”.
São críticas sem fundamento, cujo único objetivo é deixar mal aqueles a quem são direcionadas, numa tentativa constante de se sentir superior diante dos supostos defeitos ou
fraquezas alheias. Assim, magros e “sarados”
reivindicam sua supremacia detonando
todos que não se encaixam neste padrão. Os jovens vilipendiam a maturidade dos
mais velhos. Os que se julgam inteligentes, por ter um curso superior, humilham
aqueles que ignoram as regras da gramática.
As celebridades desmistificadas também “trollam” e são “trolladas”. O caso
de Ed Motta no facebook é emblemático. Ficou mais que claro seu preconceito de
origem e social, e sua tendência misógina no comentário que fez sobre Paula
Toller. Segundo ele, ela não tem talento, mas é bonita. Em outras palavras,
isso a torna suportável.
Confesso que,
diante disso, sinto alguns temores. Visito blogs, sites de notícias e participo
de redes sociais. A impressão que tenho é
que essas pessoas amarguradas, vazias, mal-intencionadas e intolerantes são
onipresentes. Não acredito que sejam a maioria, mas penso que fazem mais
barulho. Não se intimidam perante nada. Meu maior receio é que, pela
insistência, consigam inculcar em nós o
cinismo, no sentido contemporâneo do conceito, não no sentido filosófico. Ou
seja, que acreditemos que as coisas são assim porque são e não adianta fazer
nada. Isso, definitivamente, não é
verdade. Precisamos continuar defendendo causas justas, sem agressividade, sem
desrespeito, mas com muita tenacidade. Ainda
que pareça uma visão maniqueísta, devo esclarecer que não é. Tenho ciência de
que o mesmo que incorpora a personalidade de “troll” na net, pode ser, longe do teclado, o bom vizinho, o bom amigo, o bom filho. O que não
podemos é deixar que, por meio da rede, o pior que há em nós leve vantagem e
nos domine. Até mesmo neste universo de
avatares, o bem-estar de cada um está
intimamente ligado ao bem-estar do outro. E vale sempre lembrar que o limite das grandes revoluções que visam
melhorar o mundo é dado pela nossa indisposição de melhorarmos a nós mesmos.