É provável que
só tenhamos uma ideia mais precisa acerca do efervescente momento histórico que estamos vivendo daqui a alguns anos. No entanto, não é necessário
esperar para saber que não passaremos
incólumes por ele. E é bom que não passemos,
afinal, as pessoas gritam por mudanças, exigem uma nova ordem, na qual, o
futuro não se apresente como uma ameaça. Mais do que qualquer coisa, o que desejam, especialmente os jovens, são boas perspectivas, fazer planos e
acreditar na possibilidade de sua concretização.
Desse modo,
a onda de protestos que ocorre no mundo é uma reação, relativamente
esperada, diante de uma sociedade global
mergulhada na incerteza. Não por acaso,
já que as crises das quais somos vítimas, crise do capitalismo, crise política,
crise ambiental e outras, são conseqüências
indesejadas, mas não imprevisíveis das
escolhas que governos e indivíduos compartilharam no decorrer do processo de
modernização. Poderíamos simplesmente culpar os líderes mundiais, e talvez eles
sejam mesmo os principais responsáveis, todavia, sem o nosso consentimento e, muitas vezes,
apoio efetivo, eles não
conseguiriam transformar a humanidade em
refém dos riscos que foram produzidos em
nome do progresso. Como afirma Ulrich Beck (1997), nós criamos a
sociedade de risco.
O sociólogo
explica que o processo de modernização pode ser percebido em duas fases. A primeira
seria o estágio do desenvolvimento industrial e caracteriza-se pela prevalência da perspectiva dos
benefícios do progresso. Os males eram percebidos como residuais e, por conseguinte, menosprezados. Todavia, na análise de Beck, os
resultados indesejados do desenvolvimento traçaram o contorno da segunda fase
da modernização. Assim, ele afirma que,
[...] uma situação completamente diferente surge
quando os perigos da sociedade industrial começam a dominar os debates e
conflitos públicos, tanto políticos como privados. Nesse caso, as instituições
da sociedade industrial tornam-se os produtores e legitimadores das ameaças que
não conseguem controlar (1997:15-16).
A insegurança,
com a qual convivemos há algum tempo,
cresce. As ameaças, cada vez mais, tornam-se reais. Poderíamos argumentar que
tudo que ocorre sempre existiu, fome, guerras, tragédias ambientais. É verdade,
mas o que diferencia a atual situação é que há uma tendência mais geral de empobrecimento.
As vítimas não são mais apenas os países subdesenvolvidos e emergentes. Os países
ricos, que sempre se pautaram pela esperança tola no crescimento infinito do mercado,
percebem agora que, apesar dos indivíduos serem continuamente estimulados a consumir,
a capacidade de consumo, mesmo por meio de endividamento, é menor do que a ganância
capitalista que produz mais e mais.
Ainda é cedo
para dizer que está se cumprindo o prognóstico marxiano de colapso do
capitalismo. Afinal, foram muitas crises
e o sistema sempre mostrou uma capacidade impressionante de recuperação e re-ordenamento,
sem, contudo, mudar suas bases estruturais. Entretanto, a
tomada de consciência da população mundial, evidenciada nos protestos, sinaliza
que ela não está mais disposta a aceitar passivamente a tirania que pode se manifestar, explicitamente,
em governos totalitaristas ou, de forma dissimulada, por meio de sistemas sociais injustos.
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BECK, Ulrich. A reinvenção da política: rumo a uma
teoria da modernização reflexiva In:
GIDDENS, A.; BECK, U.; LASH,
S. Modernização Reflexiva. Tradução de Magda Lopes. 2
reimpressão.
São Paulo: Editora Unesp, 1997. p. 11-71.