sexta-feira, 18 de junho de 2010

Sobre a existência repleta de significado de José Saramago

‎"A grande vitória da minha vida é sentir que, no fundo, o mais importante de tudo é ser boa pessoa. Se pudesse inaugurar uma nova Internacional, seria a Internacional da Bondade." (José Saramago)


       Quem é leitor assíduo deste blog, supondo que exista algum, sabe do respeito e da admiração que tenho pela vida e obra de José Saramago. Para algumas pessoas, pode parecer paradoxal uma cristã confessa gostar tanto dos escritos de alguém que bradou aos quatro ventos seu ateísmo. Vou tentar, por meio deste post, esclarecer essa suposta incongruência.
            Ao ler os livros de Saramago,  ou mesmo vendo suas entrevistas, não consegui enxergar o que considero um ateísmo autêntico.  Penso que o ateísmo genuíno traduz-se em absoluta indiferença. Não dá para não acreditar em Deus e ao mesmo tempo se colocar contra Ele. Era isso que Saramago fazia (ver O evangelho segundo Jesus Cristo e seu último livro, Caim). Portanto, seria mais correto dizer que o escritor era um antiteísta, não um ateu. Antiteísmo pode parecer, sob a perspectiva da maioria dos religiosos, pior do que  ateísmo e talvez seja se for percebido como uma opção incisiva pelo mal.  Não era esse o caso de Saramago, ao contrário, suas desavenças com Deus partiam sempre da sua incapacidade de conciliar a existência do mal, das injustiças, com a noção de que Deus é amor, benignidade e providência. A teodiceia judaico-cristã não o satisfazia. Não sem razão, já que a história da Igreja é marcada  pela vontade de poder,  pela intolerância  e por uma postura que contribui com a perpetuação das  desigualdades sociais. Nesse sentido, o antiteísmo do romancista é compreensível. Afinal, é muito difícil desvincular a imagem de Deus da imagem da instituição religiosa que teoricamente é sua representante.
            Baseada no conhecimento teológico que tenho, que não é muito, mas que julgo o suficiente para fazer tal afirmativa, ouso dizer que a oposição de Saramago é mais justificável do que o cristianismo maculado pela conveniência de muitos de nós. Deus não se importa que briguem com Ele, desde que o confronto seja motivado pelo desejo sincero de que o bem prevaleça. Alguns personagens bíblicos (Jó, Elias, Jeremias...) o  questionaram demonstrando, às vezes,  até mesmo rancor,  sem, no entanto, serem punidos, pois eram movidos pelo desejo de compreender e, principalmente, por um forte senso de justiça. Acredito que essas também eram as motivações do escritor.
           Em síntese, José Saramago era um inquiridor que denunciava as injustiças e  trabalhava em favor da dignidade humana. Foi coerente até o fim, mantendo-se fiel às suas convicções; continuou socialista num mundo cada vez mais devotado ao capital;  fez da sua vida um evento realmente significativo.