sexta-feira, 16 de outubro de 2009

Métodos Qualitativos nas Ciências Sociais: limites e possibilidades

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     A partir de Weber e outros pesquisadores influentes, como Malinowski (1978) e seu método etnográfico, vemos surgir, no campo das ciências sociais, uma infinidade de métodos e técnicas de pesquisa qualitativos que em grande parte dos casos se complementam. Uma das vantagens que a abordagem qualitativa apresenta é justamente a plasticidade que lhe é inerente. Enquanto os métodos e técnicas quantitativos transmitem uma impressão de engessamento, as metodologias qualitativas oferecem ao pesquisador uma sensação de liberdade que, por sua vez, traz como risco a possibilidade de displicência metodológica no decorrer da investigação. Esta liberdade é geralmente interpretada pelos críticos como falta de rigor científico.
               Howard Becker (1999) defende tal liberdade ao extremo, optando por um modelo artesanal de ciência. Para ele, todo pesquisador, a exemplo dos clássicos, Marx, Durkheim e Weber, deve ser também um metodólogo. Afirma que “os sociólogos deveriam se sentir livres para inventar os métodos capazes de resolver os problemas das pesquisas que estão fazendo” (p. 12). O trabalhador, produzindo suas teorias e seus métodos, contemplaria aspectos singulares e variações locais do fenômeno investigado que as metodologias sugeridas nos livros e nos manuais não conseguem captar por serem genéricas.
   O cerceamento da liberdade, pelos métodos quantitativos, tem como uma de suas características, o controle da intuição através da formalização. Nas metodologias qualitativas, contudo, a intuição ganha um papel central. Robert Nisbet (2000), ressaltando a importância da imaginação e da intuição na pesquisa sociológica, afirma que muitos dos procedimentos intelectuais da sociologia clássica aproximam o sociólogo mais do artista do que do cientista social preso a regras inflexíveis. Entretanto, aqueles que ainda acreditam ser possível a neutralidade e, consequentemente, a objetividade absoluta no processo de construção do conhecimento científico, interpretam como falhas imperdoáveis o que foi apresentado até aqui como as vantagens oferecidas pelas metodologias qualitativas.
     Segundo Melucci (2005), as ciências sociais abandonaram uma perspectiva metodológica monista, própria das ciências naturais, e se abriram para uma concepção pluralista. No entanto, essa abertura não ocorreu sem dificuldades. E, apesar do êxito que a pesquisa qualitativa tem alcançado, não faltam críticas que colocam sob suspeita sua validade científica. As críticas mais contundentes são: falta de representatividade, predominância da subjetividade no processo investigativo e falta de critérios rígidos na coleta e análise dos dados.
             O problema da representatividade seria decorrente daquilo que Weber (1981) indica como uma prerrogativa da perspectiva interpretativista. Segundo ele:
[...]todo conhecimento reflexivo da realidade infinita realizado pelo espírito humano finito baseia-se na premissa tácita de que apenas um fragmento limitado dessa realidade poderá constituir de cada vez o objeto da compreensão científica, e de que só ele será “essencial” no sentido de “digno de ser conhecido” (idem, p. 88).

               A crítica se fundamenta no fato de que a pesquisa qualitativa, necessariamente, trabalha com unidades sociais. Ela precisa escolher um fragmento da realidade como sendo representativo dessa realidade. A questão é: Como saber se o fragmento escolhido tipifica bem o fenômeno social que o pesquisador busca compreender? Vinculada a esta questão está a dúvida sobre a possibilidade de generalização. Sem a certeza de que o fragmento da realidade seja representativo, consequentemente, a validade da interpretação fica comprometida. Ora, sem a possibilidade, mínima que seja, de generalização o trabalho não tem valor científico.
           O segundo problema, que não está de forma alguma separado do primeiro, seria a predominância da subjetividade no processo investigativo. A proximidade do sujeito epistêmico com seu objeto comprometeria todo o processo de pesquisa, desde a escolha da unidade que seria representativa do todo, até a análise dos dados. Embora o debate acerca da neutralidade e da objetividade esteja ganhando a alcunha de ultrapassado, o excesso de liberdade promovido pelas metodologias qualitativas poria em xeque o valor científico do conhecimento produzido com seus métodos e técnicas. Para os críticos mais dogmáticos, tal conhecimento não seria nada além de especulação.
                 Por fim, os críticos apontam a falta de critérios rígidos na coleta e na análise dos dados. Desse modo, ao mesmo tempo em que a pesquisa qualitativa permite um aprofundamento por meio da imersão do pesquisador na realidade que ele deseja compreender, esse aprofundamento é sempre limitado, já que ele deve escolher entre os inúmeros aspectos sociais, daquela realidade, aqueles que seriam mais relevantes para sua análise. Como os critérios dessa escolha são subjetivos, isso poderia acarretar num enviesamento do trabalho. Além disso, esse tipo de pesquisa gera uma grande profusão de dados, o que dificultaria a sistematização e análise dos mesmos.
               Tendo em vista todas as críticas e problemas apontados, não podemos, em defesa da pesquisa qualitativa, incorrer no erro ingênuo de acreditar que existam métodos infalíveis e que seria possível alcançar verdades absolutas, especialmente no contexto das ações e relações sociais. Como foi colocado, o objeto de investigação da sociologia é complexo e dinâmico e é, precisamente, a complexidade do objeto que demanda uma diversidade de métodos. Entretanto, tal diversidade redunda em um relativismo para o qual, de acordo com Melucci (2005), não existe saída absoluta.
                 Se os defensores das metodologias qualitativas são recorrentemente confrontados com os limites desse tipo de abordagem, recebem também, em grande medida, incentivos oriundos das possibilidades que elas apresentam. Além das vantagens, expostas em tópicos anteriores, vale ressaltar que, de forma distinta daqueles que têm a pretensão de fazer uma ciência pura e, desse modo, é a própria ciência que tem a primazia, a abordagem qualitativa prioriza os indivíduos e suas relações. A mudança paradigmática epistemológica/metodológica veio acompanhada de uma gradativa mudança de postura do cientista social.

Referências bibliográficas:


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DURKHEIM, Émile. As regras do método sociológico. São Paulo: Nacional, 1995, p. 30-37.
FREUND, Julien. A sociologia de Max Weber. Rio de Janeiro: Forense –Universitária, 1980.
GEERTZ, Clifford. O saber local: novos ensaios em antropologia interpretativa. Petrópolis:Vozes, 1998.
______. Das religiões, Folha de São Paulo, 14/05/2006.
BECKER, Howard S. Métodos de pesquisa em Ciências Sociais. São Paulo: Hucitec, 1999.
LAVILLE, Christian; DIONNE, Jean. A construção do saber: manual de metodologia da pesquisa em ciências humanas. Porto Alegre: Ed. UFMG, 1999.
MALINOWSKI, B. Os Argonautas do Pacífico Ocidental. São Paulo: Perspectiva, 1978.
MELUCCI, Alberto. Por uma sociologia reflexiva: pesquisa qualitativa e cultura. Petrópolis: Vozes, 2005.
MINAYO, M.C.S; SANCHES, O. Quantitativo-qualitativo:oposição ou complementaridade? Cad. Saúde Pública. Rio de Janeiro, 9(3), p. 239-262, 1993.
NISBET, A. Robert. A sociologia como uma forma de arte. In: Revista Plural. São Paulo: 7, USP, p. 111-130, 1º sem/2000.
PEIRANO, Mariza. A Favor da Etnografia. Rio de Janeiro: Relume-Dumará, 1995.
WEBER, Max. A ética protestante e o espírito do capitalismo. 15 ed. São Paulo: Pioneira, 2000.
______. Economia e Sociedade. Fundamentos da sociologia compreensiva. Vol. I. Brasília: Ed. Unb, 1991
______. A “objetividade” do conhecimento nas ciências sociais. In: COHN, Gabriel (org.) Weber – Sociologia. Coleção Grandes cientistas sociais. São Paulo: Ática, 1986.