quinta-feira, 14 de fevereiro de 2013

Silas Malafaia: autoritarismo, truculência e soberba em pretensa defesa do Evangelho



Poucas entrevistas feitas pela apresentadora Marília Gabriela tiveram tanta repercussão quanto a entrevista realizada com  Silas Malafaia. Defensores e opositores  expressaram seu apoio ou sua reprovação,  usando  especialmente  as redes sociais.
            As reações às palavras do Pastor mostram que temos uma sociedade dividida, ainda que de forma desigual, entre aqueles que avançam buscando compreender e se adaptar a um mundo mais heterogêneo, e aqueles que fazem questão de cultivar, por comodismo ou medo, uma fé cega, irracional e totalmente maniqueísta. É caso do referido líder espiritual e seus seguidores.
            Silas Malafaia se autodenomina um defensor do Evangelho, no entanto, somente aqueles que possuem um conhecimento bem ínfimo dos escritos bíblicos conseguem fazer uma associação entre  a truculência e a soberba desse senhor com a bondade, a tolerância e a humildade que caracterizam o ministério de Jesus mostrado nas narrativas dos quatro evangelistas.
            Ora, se para os cristãos o sentido e a direção da fé são dados pela Bíblia, é a ela que invoco para justificar minha indignação. Diferentemente da postura autoritária assumida pelo Pastor, o que se aprende nas Escrituras é que   a  essência do Evangelho é a liberdade. Uma passagem que ilustra bem essa afirmação é o  relato do  encontro de Jesus com a mulher samaritana (João 4:19-23). Ao ser questionado por ela sobre onde seria o verdadeiro lugar da adoração, no templo ou no monte,  Cristo responde que em nenhum dos dois, mas em espírito e em verdade.  O que ela desejava era uma resposta clara acerca do modo correto de viver sua fé, o que recebeu foi a revelação de que a partir daquele momento o lugar da adoração não é exterior a ela.    Trata-se de  um novo paradigma para a vida espiritual: passa-se da objetividade da Lei que é condenatória para a subjetividade do Evangelho que é  libertador.
Entretanto, a liberdade não é apenas  uma dádiva, é também um peso porque  traz como implicação o fato de que , no fim das contas, cabe a cada um  encontrar o melhor modo de lidar com uma existência que é absolutamente contingencial. A capacidade de controlar o destino é apenas relativa,  isso  gera insegurança.  Assim sendo, não é difícil que alguém que acene com a possibilidade de uma vida mais segura,  um horizonte  mais definido, encontre adeptos. É bem mais fácil viver de acordo com cartilhas, receitas e regras objetivas  sobre o que se deve ou não fazer, sobre o que é certo ou errado, ignorando  as evidências de que entre um e outro há muitas gradações e distintos pontos de vista.
            Dietrich Bonhoeffer, teólogo luterano alemão,  compreendeu muito bem, não só por meio do  conhecimento acadêmico, mas, também,  por experiência  pessoal, que a vida é tão complexa  que é impossível enquadrá-la em  prescrições, ainda que o número destas seja infinito.
Como teólogo,  Bonhoeffer se posicionou contra a religião que é conivente, seja por alienação ou postura política, com sistemas  injustos que perpetuam as desigualdades sociais.  No seu livro “Resistência e Submissão”,  afirma que em um  mundo que se tornou  adulto, ou seja, guiado pela razão,  o ser humano está pronto para assumir sua autonomia. Em uma carta enviada a seu amigo Eberhard Bethge,  defende que Deus não deve ser usado como um “tapa-buracos”, que devíamos assumir nossa responsabilidade pela transformação do mundo.
            Ainda que os  escritos  consigam oferecer uma  razoável noção acerca de suas ideias, é por meio de sua  biografia que o teólogo alemão fala de forma mais eloquente, nos ensinando,  sobretudo, que  nos deparamos com circunstâncias em que   não podemos simplesmente escolher entre o  bem e o  mal. Não raras vezes, temos  que decidir entre o mal e um mal que julgamos menor.  Vivendo na Alemanha nazista,  ciente das atrocidades cometidas por Hitler e seus subalternos,  Bonhoeffer se envolve numa conspiração para assassinar o ditador. A lógica é simples: não é certo matar, mas é menos mal  que um homem insano e cruel  morra do que permitir que milhões sejam mortos.
            Cito Dietrich  Bonhoeffer porque o vejo como a antítese de Malafaia e seus discípulos que, ao contrário do teólogo luterano, não se  preocupam com causas realmente significativas.  Apontam dedos condenatórios exigindo que pessoas que não compartilham das mesmas crenças vivam de acordo com seus preceitos. Ocupados com o cisco nos olhos dos outros são incapazes de ver as traves que estão em seus próprios olhos. Assimilam o  que há de pior na sociedade: ganância, egoísmo, consumo desenfreado, vaidade sem limites.
            Minha esperança é que as escamas que provocam essa  cegueira caiam e, quando isso acontecer, ao invés de direcionar seus esforços para tentar normatizar o comportamento alheio segundo suas próprias convicções, os cristãos tenham  como empreitada fundamental  a missão de melhorar a si mesmos e, consequentemente, tornar o mundo um lugar com mais bondade, altruísmo e tolerância.