Entre os problemas que a sociedade contemporânea enfrenta ganha destaque o crescimento do número de pessoas que fazem uso não medicamentoso das drogas. Apesar de todas as políticas repressivas do Estado, dos discursos conservadores que aliam o problema da drogadição à fraqueza moral e todas as conseqüências ruins que os próprios consumidores experienciam na suas vidas e nas de outros usuários, os dados apontam um avanço alarmante que, para alguns estudiosos*, indicam que o problema tem assumido proporções epidêmicas, particularmente, no que diz respeito à rápida popularização do crack. Inicialmente usada por pessoas das camadas mais baixas por ser uma droga relativamente barata e potente, seu consumo tem aumentado entre pessoas das classes médias. Esse aumento é justificado pelo efeito que provoca, muito mas intenso do que a cocaína, a droga de efeito estimulante preferida dos jovens com mais recursos.
Se a “onda” que o crack promove é potente, sua capacidade de viciar também é poderosa, daí ser hoje uma séria questão de saúde pública. No entanto, o número sempre crescente de dependentes revela que o problema não está sendo tratado de modo eficaz. Medidas repressivas e discursos moralizantes não surtem os resultados esperados, antes, constituem uma forma reducionista de lidar com a questão.
Ora, se o número de dependentes cresce, não podemos dizer que esse é um problema individual, ou seja, não devemos responsabilizar somente os indivíduos, como se a opção pelas drogas fosse uma escolha absolutamente pessoal. É pessoal, mas é também resultante de problemas estruturais. Alguns podem argumentar que seriam problemas estruturais quando o consumo está relacionado à pobreza, à ausência de perspectiva em decorrência dessa pobreza e que, portanto, indivíduos que não vivem sob essas condições fazem uma opção livre de qualquer pressão social externa. Todavia, quando falamos de problemas estruturais isso vai muito além da escassez material. Referimo-nos a uma sociedade em transição, com crise de paradigmas, perda de referenciais, aliando-se a isso, uma indução incessante ao consumo e ao prazer.
Estamos vivendo um tempo marcado pela frouxidão institucional. Família, escola, religião e trabalho perdem, gradativamente, sua força normativa e o indivíduo liberto da tutela destas instituições precisa encontrar novo sentido e novas formas de adequação social. Ele está entregue a si mesmo, isso traz como implicação a exigência de que “sou eu” sozinho que preciso encontrar significado para minha vida. Nos discursos reducionistas, sobre as causas que levam uma pessoa a se tornar um dependente químico, prevalece o argumento de que é fraqueza, desejo de fuga, medo de encarar a realidade que impulsionam os indivíduos ao uso não medicamentoso das drogas.
Acredito, como afirmou o antropólogo Eduardo Viana Vargas (2006), que o que os usuários de fato buscam, ainda que modo equivocado, é justamente um modo de não desistir. Dessa forma, é como se as drogas conferissem, de certa maneira, uma razão para sua existência. Assim, políticas públicas que as percebem apenas de modo negativo não são capazes de atingir com eficiência o âmago do problema, ou seja, se a droga tornou-se um caminho para os dependentes, a função do Estado e da sociedade civil é mostrar caminhos melhores e, se eles são poucos, temos um grande trabalho de construção pela frente.