O neopentecostalismo, com sua ressignificação dos conteúdos da fé
cristã, é apontado por estudiosos (Freston,
1994; Velho, 1997; Sanchis, 1997) como o fenômeno que mais tem
contribuído para a reconfiguração do campo religioso brasileiro. Para explicar
o avanço das igrejas neopentecostais, pesquisadores ressaltam alguns aspectos
que fazem com que esse movimento seja tão atrativo na disputa por consumidores
de bens e serviços religiosos. Entre esses aspectos estão: a adequação de seus
conteúdos à lógica do mercado, o utilitarismo, que conferiria a essas igrejas
características das religiões de magia, e a espetacularização dos cultos (Mariano, 1995; Prandi, 1997; Campos, 1997).
Todos esses
aspectos são facilmente observados em um trabalho de campo, entretanto, acredita-se
que eles resultam, particularmente, da mudança, enunciada por Campbell (1997),
que ocorre na própria essência da teodiceia cristã, como consequência de um processo
de orientalização do Ocidente. Nesse sentido, o neopentecostalismo se afasta da
ortodoxia cristã tradicional e assimila conteúdos das tradições religiosas do
Oriente.
A Confissão
Positiva e seus desdobramentos seriam os sinais mais explícitos dessa transformação
que Fonseca (1998, p. 7) chama de “Nova Era Evangélica”.
Ao se afastar da
ortodoxia do protestantismo dos reformadores, o neopentecostalismo segue a
tendência de uma vivência religiosa que, segundo Simmel (1997), é mais
convergente com o processo de individualização desencadeado pelas
transformações que dão o contorno do mundo moderno. Considerando que a
individualização traduz-se, entre outras coisas, em autonomia e emancipação, é
de se esperar que a vivência religiosa pautada pela crença em um Deus transcendente e
soberano, cuja vontade se sobrepõe a todas as outras, perca espaço para uma
concepção de divindade que não ameaça a posição de centralidade conquistada
pelo ser humano, agora sujeito de si e da história.
Se a emergência do
movimento neopentecostal evidencia uma tendência religiosa antropocêntrica, em
contraposição ao teocentrismo do cristianismo tradicional, a chegada e o avanço
de religiosidades de cunho oriental confirmariam tal tendência. Embora pareçam
incipientes no ranking das religiões
fornecido pelo IBGE, Deis Siqueira (2003) argumenta que essas religiosidades,
cuja expressão mais popular é o multifacetado movimento New Age[1],
vêm obtendo êxito significativo no campo religioso brasileiro, sinalizando que
o Brasil não passou incólume pela onda de orientalização religiosa verificada
primeiramente em países da Europa.
Portanto, tendo como
ponto de partida a tese de Campbell (1997) de que o Ocidente está sendo orientalizado,
o objetivo aqui é apresentar indicativos de que o neopentecostalismo e as
religiosidades de cunho oriental, doravante denominadas também de neoesotéricas[2],
possuem similaridades que evidenciam que ambos estão em total
conformidade com as demandas existenciais típicas da sociedade contemporânea;
daí o êxito na disputa por consumidores de bens de salvação.
Como
casos representativos das vertentes citadas, privilegia-se como lócus do trabalho de campo a Igreja
Universal do Reino de Deus (Iurd)
e a instituição religiosa Perfect Liberty
(PL). A opção pela Iurd foi
determinada não apenas por ser a denominação neopentecostal que mais cresce, mas
também porque possui algumas especificidades que a tornam bastante
representativa do gênero.
Entre
tais especificidades, chama a atenção o sincretismo evidenciado por meio da
apropriação e ressignificação de elementos simbólicos de outras religiões e de
superstições populares.
[1] Magnani (1999, p. 10) afirma ainda que o movimento New Age, que ele prefere denominar como
movimentos neoesotéricos, compreende orientações religiosas não oriundas apenas
de tradições orientais, mas também do “encontro da ciência contemporânea e
antigas cosmologias, das tradições indígenas e novas propostas ecológicas”.
[2] Utiliza-se aqui a terminologia que se considera mais
adequada. Existe uma grande variedade de conceitos para se referir ao mesmo
fenômeno social. Magnani (1999) opta por “neoesoterismo” para aludir às
religiosidades heterodoxas que, entre outras influências, sustentam-se nas
cosmologias orientais.
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*O texto acima é apenas a parte introdutória. Para ler o artigo completo, acessar http://www.fflch.usp.br/ds/plural/ed_18_2.html