Segundo Simmel, as maiores dificuldades da vida moderna resultam das
tensões existentes entre o indivíduo,
com sua vontade de autonomia e emancipação, e a força dos poderes supremos da sociedade
com suas instituições, cuja função primordial é fornecer os padrões
sócio-culturais que devem ser compartilhados por todos. Nesse processo de luta pela liberdade, os
acontecimentos do século XVIII tiveram um papel significativo, especialmente com a difusão dos valores iluministas. No século XIX, ocorreu outra importante
mudança, pois, além da liberdade do
homem, houve uma promoção da sua individualidade, possibilitada pela intensificação da divisão do trabalho. Assim, estabeleceu-se uma
ambiguidade: se por um lado a especialização fez com que o indivíduo se
tornasse único e indispensável, por outro, o transformou em um sujeito que
depende dos outros no cumprimento de seus respectivos papéis.
A proposta de Simmel é tentar desvelar a forma como o indivíduo responde diante do excesso de estímulos nervosos que recebe vivendo nesse mundo complexo,
caracterizado por um dinamismo sem precedentes. Mais especificamente, o autor está interessado
em compreender as defesas psicológicas que o habitante da metrópole desenvolve
para lidar com os desafios de se viver
numa grande cidade. Uma assumida tendência à intelectualização e a atitude blasé
definem a postura típica que o sujeito assume como forma de reação perante os
estímulos excessivos. Ao anunciar o domínio do intelecto na condução das
relações humanas, Simmel aponta como principal prejuízo o distanciamento
afetivo com o propósito de preservar a
sanidade psíquica. O uso do dinheiro,
elemento neutro, seria uma evidência desse distanciamento. Nesse sentido, as relações
de troca, também acentuadas com a divisão do trabalho, prescindiriam das
relações pessoais mais próximas, já que a mediação é feita por meio da moeda
corrente. O mercado, portanto, apresenta-se como o lugar, por excelência, das relações no mundo moderno. O comportamento blasé,
resultante do mesmo processo, caracterizaria a postura de indiferença do
indivíduo frente aos inúmeros acontecimentos cotidianos. A recorrência desses
acontecimentos torna-os banais, ou seja,
os indivíduos deixam de reagir a eles. Nesse contexto, o sujeito perde sua capacidade de distinção
entre as coisas que, em consequência, deixam de ser percebidas como significantes.
Além dos traços, acima descritos, vale ressaltar, ainda,
que a vida mental desse indivíduo citadino caracteriza-se, também, por uma
atitude de reserva que se manifesta por meio de um código tácito que impede que
os limites da convivência sejam ultrapassados. Dessa maneira, evita-se os
contatos indesejados assumindo uma atitude que pode ser interpretada como
frieza. Em última instância, a reserva
pode vir à tona como repulsa mútua e/ou sentimento de ódio, produzindo, por conseguinte,
conflitos.
Em síntese, a vida na metrópole
condicionaria a emergência de relações sociais marcadas pela indiferença, pela
impessoalidade, pelo cálculo e por uma extrema individualização dos sujeitos. Simmel conclui falando sobre as inúmeras
possibilidades da vida metropolitana, com toda
sua riqueza cultural e fertilidade de significados. Na metrópole, o
indivíduo pode se ver livre das amarras
a que estão sujeitas as pessoas que vivem em pequenas comunidades. Não obstante,
essa liberdade pode assumir a forma de solidão e anonimato.
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SIMMEL, Georg. A metrópole e a vida mental.
In: VELHO, Otávio Guilherme (org.). O fenômeno urbano.
4ª ed. Rio de Janeiro, Ed. Guanabara, 1987.