Walter
Benjamin procura mostrar, a partir de uma leitura marxiana, as transformações que ocorreram em Paris ao
longo do século XIX, bem como os diferentes olhares que foram lançados sobre
ela, que a alçaram a posição de capital
da moda e do luxo. Seu objetivo é por em
evidência o pano de fundo ideológico por trás de cada mudança. Nesse sentido,
nada aparece como algo aleatório no processo
histórico, ao contrário, tudo tinha uma
razão de ser, servia a um propósito.
A
análise de Benjamin parte de uma primeira mudança significativa na arquitetura
parisiense, a construção das galerias. Além de serem o resultado de um período de grande
prosperidade no comércio de têxteis, o modo como foram construídas só foi
possível graças à utilização de um material inovador: o ferro. Evocando Balzac, Benjamin explica que os edifícios das
galerias, com seus corredores, com tetos de vidro para aproveitar a luz natural, e seus entablamentos feitos de mármores, representavam a arte a serviço do
comércio.
O
advento do ferro facilitou um retorno à
arquitetura da Grécia Antiga (neoclassicismo), mais precisamente, uma releitura do estilo helênico com sua
grandiosidade que tem por finalidade destacar a supremacia do Estado. Benjamin
afirma que a estética arquitetônica
imperial, utilizada no Primeiro Império, foi um obstáculo para que Napoleão III pudesse perceber a natureza funcional do Estado como instrumento
de dominação, ou seja, o Estado não como um fim em si mesmo. Do mesmo modo que o imperador não tinha uma
percepção crítica da função do Estado, os arquitetos também não foram capazes
de perceber a importância do ferro como elemento fundamental dos processos de
mudança que ganhavam contornos concretos na paisagem urbana.
Uma das
consequências mais imediatas da utilização do ferro foi afirmação do conceito
de engenheiro, cuja contraposição era a figura do decorador. Desse modo, a arquitetura, que outrora servia
primordialmente a um propósito artístico, passa a ser concebida como construção
de engenharia. A funcionalidade se sobrepõe à estética, indo em direção à razão
instrumental que caracteriza a emergência do mundo dominado pelo capital.
Embora a França estivesse caminhando a passos largos
rumo à acentuação das diferenças de classes, no começo do século XIX a
sociedade ainda vivia sob os resquícios utópicos da revolução de 1789. O
filósofo Charles Fourier aparece como uma figura emblemática desse período.
Tendo como modelo o funcionamento das máquinas, propôs, preconizando a utopia
do socialismo libertário, a criação de falanstérios, ou seja, falanges
organizadas de convivência, de produção
e consumo nas quais todos os membros tinham posição equivalente. Por meio do falanstério, os homens seriam
conduzidos a relações em que a moralidade deixa de ser necessária. Na Terra
Prometida de Fourier não havia lugar para a repressão da burguesa. O filósofo
viu nas galerias o paradigma arquitetônico do falanstério. Depois de servir a
finalidades comerciais seriam transformadas em habitação.
Assim como a
arquitetura se liberta da tutela da arte graças ao ferro, a pintura se emancipa graças aos panoramas. O Panorama é um tipo de pintura mural elaborada num
espaço circular em torno de uma plataforma de onde as pessoas podiam apreciar
as imagens feitas a partir da tentativa de imitar a natureza por meio do uso de alguns artifícios.
Segundo Benjamin, os panoramas eram a
expressão de um novo sentido de vida: o
homem da cidade tenta trazer para perto de si o campo. No âmbito da
literatura, a tendência se traduz numa
série de esboços que tinham como objetivo primordial desenhar um quadro da sociedade que servia como
cenário de fundo dos panoramas. Conforme o autor, é a última vez que o operário
é representado desligado de sua classe social.
Entre os nomes
expressivos da pintura de panoramas, encontra-se Louis Daguerre. Em 1839, seu
Panorama é destruído e ele anuncia, então, a invenção do daguerreótipo,
instrumento precursor da máquina fotográfica. Embora o daguerreótipo exigisse
que a pessoas ficassem imóveis cerca de trinta minutos para ter sua imagem
reproduzida, representava um avanço em relação à pintura que exigia muito mais
tempo. Ademais, trazia consigo o argumento de que retratava a realidade de
forma mais fiel. Não por acaso, começou a se registrar paisagens que não eram
comuns nas pinturas, como, por exemplo, as fotografias dos esgotos de Paris
feitas por Felix Nadar. Instaura-se, a
partir de então, uma tensão entre artistas e fotógrafos.
Em 1855, na
Exposição Universal de Paris, a fotografia ganhou uma mostra particular. Além
de maior espaço no campo das artes, ela começa a ser percebida no seu papel político. Conforme Antoine Wiertz, ela tinha a missão de iluminar a pintura. Vale ressaltar que Wiertz, pintor belga,
sempre lançou mão da sua arte para militar em prol da independência do seu
país. Assim, procurou retratar exemplos de heroísmo de pessoas que
pudessem ser modelos para a nação.
É
particularmente significativa a perspectiva de Benjamin sobre as Exposições
Universais. Para ele, elas cumpriam, no tempo em que não havia ainda a
indústria do entretenimento, a função de enquadrar os operários. A
expectativa dos organizadores, sob uma perspectiva sansionista, era de que as classes trabalhadoras encontrassem
divertimento ao mesmo tempo em que
participavam de uma festa de emancipação. O problema é que os
sansionistas previram o desenvolvimento da economia mundial, mas não a luta de
classes.
O fato é que
as Exposições Universais se tornaram importantes eventos de exaltação e
fortalecimento do capitalismo. Por meio
delas, houve uma superestimação do valor de troca da mercadoria em detrimento
do seu valor de uso. O fetichismo alcança seu mais alto grau: a mercadoria é
sacralizada. Para explicar esse processo, Benjamin recorre ao que Marx
denominou de “caprichos teológicos da mercadoria”. Surge a specialité, ou seja, o produto como marca de distinção. Para Benjamin, é na Exposição Universal de
1867 que a fantasmagoria da cultura
capitalista atinge seu auge. O império encontrava-se no ápice do seu
poder e Paris afirmava-se como capital da moda e do luxo.
Entre as
mudanças relevantes que traçaram os contornos da Paris do século de XIX, Benjamin cita também a entrada do cidadão
particular na história. Fato significativo que resultou, sobretudo, da
Revolução de Julho ( 1830), cujo protagonista foi Luis Filipe. Sob seu governo, houve, por um lado, um alargamento da democracia, sendo que uma
das principais medidas políticas foi o reconhecimento do direito ao voto. Por outro lado, ganha força também o ideário
liberal que, por sua vez, calca-se na
noção do ser humano como indivíduo. Na
sociedade industrial, o local de trabalho começa a ser visto em contraposição
com o local em que se vive. O lugar em
que se vive é o interior, cuja função é manter a fantasmagoria, as ilusões.
O local de trabalho deveria ser visto apenas como complemento.
Em Baudelaire,
Paris se torna objeto de poesia lírica, mas não de uma poesia regionalista, mas
derivada do olhar de um homem alienado.
O alienado aqui é aquele que se coloca à parte. É o flâneur , aquele que vaga por toda cidade reparando tudo à sua
volta. É uma espécie de rebelde que não encontra seu lugar, mesmo que busque
refúgio na multidão. A Paris de Baudelaire encarna o espírito da modernidade e
o flâneur é uma figura típica desse tempo.
Por fim,
Benjamin fala de George Haussmann e as grandes transformações que promoveu na
arquitetura parisiense no período em que
fora prefeito. Com o aval do então imperador, Napoleão III, o prefeito promoveu
uma série de expropriações, demoliu inúmeras moradias, ruas e comércios a fim de reconstruir tudo
tendo em vista uma cidade para a dominação. Seu objetivo era dificultar a ação
dos rebeldes que, por seu turno, utilizavam como principal estratégia bélica a
construção de barricadas. O prefeito enlargueceu as ruas e construiu bulevares.
Os operários foram empurrados para o subúrbio.
A
Paris de Haussmann, segundo Benjamin, é o lugar onde a centralidade do
dinheiro se mostra de forma mais
explícita, especialmente, por intermédio do jogo e da especulação fraudulenta. Ainda que a ascensão de Napoleão III, presidente eleito em 1848, tornando-se imperador em
1851 por meio de um Golpe de Estado, tenha ocorrido com o apoio do clero, da
burguesia e do operariado, a essa altura, os trabalhadores já haviam sido
postos em escanteio. Assim ,
as esperanças de igualdade que impulsionaram a
Revolução de 1789, e revividas na ascensão de Napoleão III, foram completamente esmagadas pelo Império Liberal do ditador. Novas insurreições aconteciam, mas o inimigo,
agora, são os aliados de outros tempos.
Bibliografia:
BENJAMIN, Walter. Paris, capital do século XIX. In: FORTUNA, Carlos (org). Cidade, Cultura e Globalização: ensaios de Sociologia. Oeiras: Celta Editora, 1997
Bibliografia:
BENJAMIN, Walter. Paris, capital do século XIX. In: FORTUNA, Carlos (org). Cidade, Cultura e Globalização: ensaios de Sociologia. Oeiras: Celta Editora, 1997