terça-feira, 14 de setembro de 2010

Pensamento liberal-burguês e misoginia em Luiz Felipe Pondé


Coerência definitivamente não está entre as características que constituem o indivíduo contemporâneo que, embora seja reflexivo, como afirmou Giddens,  não está preocupado em defender posturas e idéias que mantenham um encadeamento lógico. Sua reflexividade exprime-se especialmente por meio da constante capacidade de adaptação que o acelerado ritmo das mudanças sociais exige. Portanto, pode-se dizer que é uma reflexividade pragmática.  Entretanto, um problema  surge quando  essa despreocupação com a coerência atinge a academia e, como consequência,  aparecem construções teóricas que são, na verdade, legítimos balaios pseudo-intelectuais.  Alguns escritos  do filósofo Luiz Felipe Pondé exemplifica bem o que quero dizer. Seus textos, publicados em uma coluna na Folha de São Paulo,  resultam, particularmente, da mistura de pensamento liberal-burguês com uma postura misógina,  no melhor (ou pior) estilo de Nietzsche.
É evidente o incômodo do filósofo com as transformações sociais que promoveram um reposicionamento da mulher na sociedade contemporânea. Não há nada errado com isso. Afinal, todos nós, um pouco menos alienados, estamos sentindo o desconforto de vivermos num tempo de transição. As respostas  não são tão óbvias e as escolhas não são fáceis. Contudo, não é porque estamos inseguros que vamos sair por aí bradando como fanáticos, impondo aos outros nossa visão de mundo.  E, no caso de Pondé, que foi seriamente afetado pela crise da masculinidade que vitima o homem contemporâneo,  o mundo deveria voltar a ser o que era, ou seja, o sexo masculino dominando e o feminino sendo dominado.  E tudo muito bem organizadinho: os homens de sucesso casados com as mulheres bonitas, que jamais poderão deixar de ser bonitas porque senão estarão dando motivo para serem trocadas por outras;  os homens fracassados casados com as mulheres feias e, estes,  nutrindo ódio  e inveja daqueles que estão no topo da hierarquia humana defendida pelo filósofo
Para Pondé, o mundo é estruturalmente desigual e ser contra isso é se submeter ou se aliar à “ditadura dos ofendidos”.  Temos que aceitar, como cantava Tim Maia “que um nasce pra sofrer enquanto o outro ri”. Perspectiva fatalista  a serviço dos dominantes.  Não há nada que eles desejem mais do que a conformação dos humilhados.  E o mais grave de tudo isso é tentar legitimar teologicamente essa postura citando Cristo. Este jamais foi conformista. Contestou o poder instituído e os padrões sociais da sua época. Lidou com as mulheres de um modo que os homens daquela sociedade jamais ousariam. Portanto, se Pondé quer defender seu ponto de vista androcêntrico, que o faça, mas que sustente sozinho suas baboseiras,  Jesus não tem nada a  ver com elas.

sexta-feira, 3 de setembro de 2010

Da divisão do trabalho social e do conceito de solidariedade em Émile Durkheim*



Prefácio: algumas observações sobre os agrupamentos profissionais

Para o Durkheim, o estado de anomia, pelo qual passa a sociedade de seu tempo, pode ser superado apenas por meio da formação de corporações profissionais que consigam submeter tanto empregados quanto patrões às mesmas regras. Esses agrupamentos forneceriam o cimento moral necessário para a organização social. Para ele, o grupo profissional tem um poder moral capaz de cercear os egoísmos individuais, de avivar nos corações dos trabalhadores um sentimento de sua solidariedade comum, impedindo que a lei do mais forte se aplique de modo brutal nas relações industriais e comerciais.


Introdução: o problema

O trabalho se divide em três partes principais:

- saber qual a função da divisão do trabalho, isto é, a que necessidade ela corresponde;
- determinar as causas e as condições de que depende;
- classificar as principais formas anormais que ela apresenta, a fim de evitar que sejam confundidas com as outras e, consequentemente, o patológico ajudará a compreender melhor o fisiológico.

Função da divisão do trabalho

1-Método para determinar essa função

  • A divisão do trabalho, por aumentar a força produtiva e a habilidade do trabalhador, é condição necessária do desenvolvimento intelectual e material das sociedades; é a fonte da civilização. Entretanto, a civilização é desprovida de qualquer caráter moral; ela não apresenta os sinais exteriores pelos quais se reconhecem os fatos morais.
  • A moral é o mínimo indispensável, é o estritamente necessário para o bom funcionamento da sociedade. Ela nos obriga a seguir um caminho determinado em direção a um objetivo definido. Nem a atividade industrial, nem a arte tem um poder moralizante capaz de orientar a conduta.
  • Embora a ciência possua um caráter moral, ela – a verdadeira ciência- está restrita a poucos e, portanto, não  serve como fundamento moral, bem como a arte e a indústria.
  • Existe uma solidariedade social decorrente de um certo número de estados de consciência comuns a todos os membros da mesma sociedade. É ela que o direito repressivo representa materialmente, pelo menos naquilo que tem de essencial.
  • Pode-se medir o grau de concentração alcançado por uma sociedade em conseqüência da divisão do trabalho social, segundo o desenvolvimento do direito cooperativo com sanções restitutivas.

Os serviços econômicos que a divisão do trabalho pode prestar são insignificantes se comparados ao efeito moral que ela produz. Sua verdadeira função é criar entre duas ou várias pessoas um sentimento de solidariedade.

Em que medida a solidariedade que ela produz contribui para a integração geral da sociedade?

Para responder essa questão se faz necessário classificar as diferentes espécies de solidariedade social.

Solidariedade social: fenômeno totalmente moral que se cristaliza por meio do direito. Onde é forte, inclina fortemente os homens uns para os outros, coloca-os frequentemente em contato, multiplica as ocasiões em que têm que se relacionar. O número dessas relações é diretamente proporcional ao das regras jurídicas que as determinam. Portanto, para definir as diferentes espécies de solidariedade social, convém classificar as diferentes regras jurídicas de acordo com as diferentes sanções ligadas a elas. Há dois tipos de sanções: sanções repressivas e sanções restitutivas. Cada uma corresponde a um tipo de solidariedade social.


2 – Solidariedade mecânica ou por similitudes

Crime – Constitui uma ruptura da solidariedade social. Ato que, num certo grau determina contra seu autor aquela reação característica que se denomina pena. Um ato é criminoso quando ofende as condições consolidadas da consciência coletiva, ou seja, quando transgride as regras jurídicas.

Sentimentos coletivos – Não apenas são inscritos em todas as consciências, mas são, também, fortemente gravados. Emoções e tendências profundamente enraizadas em nós. Isso torna lenta a evolução do direito penal.

Consciência coletiva – Conjunto de crenças e de sentimentos comuns à média dos membros de uma sociedade. Sistema determinado que tem vida própria. Os indivíduos passam e a consciência coletiva permanece. Ela é o tipo psíquico da sociedade.

Coesão social – Decorre de uma certa conformidade de todas as consciências particulares a um tipo comum, que não é senão o tipo psíquico da sociedade.

Existem dois tipos de consciência para Durkheim: Uma contém os estados pessoais a cada um de nós e que nos caracterizam. Representa nossa personalidade individual e a constitui. A outra representa o tipo coletivo, portanto, a sociedade. Esta determina nossa conduta. Assim, não é em vista do nosso interesse pessoal que agimos, mas perseguimos fins coletivos. Em suma, as duas consciências formam uma só. Dessa assimilação total do individuo à sociedade, emerge a solidariedade mecânica.

Solidariedade mecânica – É uma espécie de solidariedade sui generis, nascida das semelhanças; liga diretamente o indivíduo á sociedade. Além de uma ligação geral e indeterminada do indivíduo ao grupo, torna também harmônicos os pormenores dessa conexão.

Direito repressivo – Próprio da solidariedade mecânica. Os atos que ele qualifica como crimes são de dois tipos: àqueles que exibem uma dessemelhança violenta contra o tipo coletivo; ou àqueles que ofendem órgão da consciência comum.

Pena – Ainda que resulte de uma reação inteiramente mecânica, passional e irrefletida, cumpre um papel. Serve para corrigir o culpado ou para intimidar possíveis imitadores. Sua verdadeira função é manter a coesão social, ou preservar a consciência comum em toda a sua vitalidade.


3 – Solidariedade devido a divisão do trabalho orgânica

Direito restitutivo – Exprime uma solidariedade resultante da divisão do trabalho

Solidariedade orgânica – Produzida pela divisão do trabalho. Se na solidariedade mecânica prevalece a exigência de que os indivíduos sejam semelhantes, esta, solidariedade orgânica, supõe que eles se diferem uns dos outros e necessita que o indivíduo tenha uma esfera própria de ação, portanto, uma personalidade. A consciência coletiva precisa deixar descoberta uma parte da consciência individual, para que se estabeleçam funções especiais que ela não pode regulamentar. A coesão que dela resulta é mais forte, pois, gera uma interdependência entre os indivíduos
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*Este post  trata-se de uma aula sobre a abordagem funcionalista de Durkheim. Mantive a apresentação em forma de tópicos porque acredito que cumpre melhor o objetivo didático.

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DURKHEIM, Émile.Da divisão do trabalho social. 2ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 2004